Compaixão: acabar com o sofrimento ou acompanhar na paixão?

É sabido que os psicólogos sofrem de uma espécie de pretensão de conhecer o homem por dentro, de julgar que o conseguem manipular e de estarem certos de conhecer inteiramente os seus limites. Também não é raro termos uma ideia sobre o que cada pessoa pode vir a ser e isso inibir a nossa capacidade de nos deixarmos surpreender pela originalidade que cada pessoa em si contém.

Mas todos sabemos que, se o deixarmos, somos, não poucas vezes, surpreendidos com capacidades que nem sequer imaginávamos poder encontrar nas pessoas. É neste aspecto que teríamos de nos centrar para entender que não nos compete ter outra atitude diante da pessoa humana senão a de nos deixarmos maravilhar pela grandeza do seu coração, expressa nos seus desejos de infinito e de plenitude.

Então como reagir diante da questão da Eutanásia? Porque será que as pessoas que quando estão deprimidas, isoladas, com falta de cuidados, sem companhia e sem o carinho de alguém, quando inquiridas sobre o tema, expressam o desejo de morrer? Será que querem mesmo morrer ou querem a morte da situação concreta que estão a viver? Não será um abuso confundir o desejo de ser amado com o desejo de morrer? Que ninguém gosta de sofrer é um dado que apenas nos revela que a pessoa humana é feita para grandes coisas, para a felicidade e para a realização plena de si. Isso quer dizer que diante do sofrimento a única solução é a morte?

Na verdade, a morte apenas acaba com a vida. Não acaba com o sofrimento. Nos animais, sim. Nos animais a morte é a solução para o sofrimento. Então nós as pessoas, o que temos de diferente dos animais para sermos assim “condenados” a sofrer sem que nos autorizem a acabar com a vida num acto “dito” de compaixão? O que nós temos de diferente poderíamos talvez resumir em três pontos:

1. Auto-Consciência - que nos permite dar um sentido ao sofrimento
2. Liberdade – que nos permite escolher que sentido queremos dar ao sofrimento
3. Forma de amar, pelo dom de si destinado a criar comunhão – que nos permite perceber que não se ama sem sofrimento.

Então, se para nós pessoas, o amor implica sofrimento, mais vale não amar? É claro que essa é uma opção. E verificamos hoje na cultura ocidental uma crescente incapacidade de amar, justamente porque, devido ao individualismo, não é evidente que as pessoas estejam dispostas a acarretar as consequências do amor, e muitas vezes até porque simplesmente nunca lhes ocorreu que o amor fosse mais do que um mero sentimento ou emoção, algo fortemente investido por uma necessidade de prazer e de felicidade imediata, ainda que fugaz.

No entanto, não podemos deixar de comentar que a escolha de não amar é uma escolha que não leva à felicidade. Porquê? Porque o homem “só se realiza plenamente no dom sincero de si mesmo” (GS, 24)

O psiquiatra Vitor Frankl, judeu, que primeiro formulou a terapia pela busca do sentido, a Logoterapia, dizia que é próprio do homem executar dois movimentos: a auto transcendência e o auto distanciamento. Dois movimentos só possíveis para a pessoa. Auto transcender-se significa ir além de si próprio, procurar o bem do outro, o bem comum, dar-se por amor. O auto distanciar-se significa a capacidadade se distanciar dos sintomas para os poder controlar, orientar, dirigir para um sentido.

Então, parece que fica claro que evitar o sofrimento, só por si, não é adequado ao desejo de felicidade que o homem tem no seu coração. Já para não falar de outros desejos que o homem tem. O desejo de verdade e de bondade, de beleza e justiça, de amar e ser amado. Na verdade o homem não deseja nada que seja mau, a não ser se o confunde com algo de bom. Esse é o problema da eutanásia. Parecendo uma intervenção destinada a aliviar o homem no seu sofrimento, na verdade é um acto destinado a provocar a morte.

Muitas vezes a morte é encarada como a única solução para o fim do sofrimento e é isso que leva as pessoas ao suicídio. Mas sabemos que o suicídio é o acto extremo de uma pessoa deprimida, um acto extremo de uma pessoa que procura acima de tudo ser amada. Ninguém deseja realmente morrer. O que todos desejamos é viver, ser felizes e amados.

No entanto, por vezes há obstáculos neste caminho que é a vida. Os obstáculos incluem doenças ou circunstâncias complicadas de várias naturezas. Estas, abalando o ideal de viver feliz e ser amado, levam as pessoas a pensar que a vida deixou de ter valor e dignidade. Não será isso o resultado de uma visão instrumental da vida? Só é digna se tem utilidade. Sendo assim, desde logo se levanta a questão de quem decide da utilidade e do valor da vida!

A solução mais razoável parece ser ouvir o interior do coração de cada um e tomar por adquirido que a vida humana tem um valor absoluto em si, que não depende da sua funcionalidade ou utilidade. A inteligência com que olhamos a realidade, usada para olhar a nossa realidade interior, o nosso coração, dá-se conta de que isto é uma verdade intuitiva.

As perguntas que devemos então fazer e para as quais devemos ajudar cada um a encontrar respostas, são as perguntas sobre o sentido da vida, sobre o sentido do sofrimento, sobre a liberdade diante dos limites, sobre o valor da fragilidade, etc…

A morte não traz respostas. Só no contexto da vida acompanhada e amada, no contexto de uma relação, no contexto de um encontro, se encontram as respostas.

A morte, aliás, é o fim da possibilidade de encontrar respostas. É o fim da possibilidade de cada um de nós se questionar também sobre o seu papel na vida dos outros e sobre a forma como está disposto a acompanhar, a partilhar e a sofrer com o outro, na medida do amor que tem por ele.

Escolher a morte é dizer ao outro que não estou disponível para acolher a sua dor e sofrimento. Não quero acompanhar essa parte da sua vida. Não é difícil de perceber que isto não é uma atitude compassiva. Compaixão é ser a companhia na paixão. Não é dizer, tu sofres muito e além disso tu não és capaz, tu não aguentas, por isso a tua vida deve acabar.

Ou será que estamos a dizer: “Eu não aguento o teu sofrimento porque me recorda a minha fragilidade e os meus limites. O teu sofrimento ofende a minha omnipotência.”

Quantas vezes a nossa resposta diante da dor, aparentemente intolerável de alguém, nos coloca em causa? Quantas vezes pensamos que resposta temos para dar, como podemos ajudar? É nisso que devemos pensar. No eco que faz em nós o sofrimento dos outros. E não apenas na forma de acabar com ele.

Na verdade, optar pela eutanásia é sempre optar por uma resposta que nos iliba do confronto com a nossa própria vulnerabilidade e fragilidade, incerteza e insegurança. Mas não é verdade que é precisamente na nossa pequenez diante das circunstâncias que tantas vezes se revela a beleza, a solicitude e a grandeza abnegada de uma humanidade amadurecida?

A Associação dos Psicólogos Católicos propõe que foquemos a nossa atenção nestes pontos, afim de melhor podermos servir os que nos procuram com o sofrimento nos braços e um pedido de ajuda e companhia no coração.


Lisboa, 5 de Abril de 2016
DIRECÇÃO DA ASSOCIAÇÃO DOS PSICÓLOGOS CATÓLICOS

DESCARREGAR EM PDF